sexta-feira, 27 de março de 2015

O negro no Brasil e nos Estados Unidos

Leia o texto abaixo e responda as perguntas que estão no final do texto.
 
O Brasil orgulha-se de ser uma "democracia racial", enquanto os Estados Unidos são conhecidos pela aspereza de suas relações raciais. Ainda assim, desde a Segunda Guerra Mundial, os afroamericanos, que representam apenas 12% da população dos Estados Unidos, têm provado ter uma força política substancialmente maior na vida de seu país do que os afro-brasileiros, que representam talvez 50% da população brasileira. Por que acontece isso? Existiriam formas pelas quais a história da luta dos negros nos Estados Unidos poderia trazer luz às lutas anti-racistas no Brasil?
Como aconteceu lá
Talvez as mais impressionantes conquistas do movimento afroamericano, do período pós-45, aconteceram durante a sua primeira fase: o movimento pelos direitos civis dos anos 50 e 60. Considerando a história das relações raciais nos Estados Unidos até aquela data, os avanços
conseguidos durante aqueles anos foram verdadeiramente extraordinários. A segregação foi superada, o sufrágio definitivo foi estendido ao povo negro através do Ato dos Direitos de Voto de 1965, e o governo federal instituiu programas de "igualdade de oportunidades" e "ação afirmativa" para combater o racismo.
Essas conquistas transformaram o Estado nacional, de um impositor da desigualdade racial, em exatamente o oposto: um ativo e poderoso oponente da discriminação racial e fiador das oportunidades para o povo negro (e outras minorias raciais, como os índios americanos, porto-riquenhos e mexicanos) em áreas como educação, moradia e emprego.
Os avanços políticos dos negros continuaram nos anos 70, mas principalmente nos níveis locais e estaduais. Afro-americanos foram eleitos para câmaras municipais e legislativos estaduais em crescente número, e muitas cidades e comarcas americanas (incluindo Los Angeles, Chicago, Detroit, Washington, Filadélfia, para nomear algumas) são governadas por prefeitos negros. Mas, a nível nacional, os anos 70 foram um período de incerteza e estagnação para o movimento negro. Isto se deveu, em parte, ao assassinato de seu carismático líder Martin Luther King em 68, mas também, paradoxalmente, aos seus, sucessos durante os anos 50 e 60.
Em primeiro lugar, tendo superado as mais violentas e óbvias formas de discriminação racial, o movimento pelos direitos civis pareceu ter cumprido seu objetivo. Os tipos de discriminação que continuaram (e continuam) a existir eram muito mais sutis e difíceis de detectar e, portanto, era ainda mais difícil a mobilização de pessoas em seu repúdio. Em segundo lugar, os programas de oportunidades iguais possibilitaram a uma nova geração de afro-americanos o acesso às universidades, tornando-os assim parte dos profissionais liberais de classe média. Para esta jovem e crescente elite negra (talvez 15 a 20% da população negra), o sonho americano estava sendo realizado. Qual a necessidade, então, do movimento dos direitos civis? Sua missão tinha sido cumprida.
Mas, naturalmente, o racismo, que levou séculos para ser formado, não seria fácil e rapidamente extinto. Enquanto a nova classe média negra se beneficiava das oportunidades abertas pelo governo federal, o mesmo não acontecia com a sobrepujada maioria dos afro-americanos. Sua participação na renda nacional mostrou-se virtualmente imutável entre 1960 e 1980, permanecendo em níveis mínimos.
Os anos 70 também testemunharam uma retomada crescente do ressentimento e do ódio dos brancos contra os programas governamentais que presumivelmente favoreciam os negros. Esse movimento encontrou sua expressão política a nível nacional na eleição de Ronald
Reagan em 1968, que chegou à presidência prometendo eliminar os programas de igualdade de oportunidade e reduzir a ajuda governamental aos pobres, que, em grande número, são negros.

Uma resposta ao racismo renovado
Durante os anos da administração Reagan, a necessidade de revitalizar e rejuvenescer o movimento negro para defender as conquistas alcançadas durante os anos 60 e 70 tornou-se cada vez mais visível. Jesse Jackson, um ex-colaborador de Martin Luther King, emergiu como o líder desse movimento que reconhece a necessidade de estender-se para além da população negra a criação de uma aliança interracial que envolva vários grupos étnicos não brancos, mulheres e brancos liberais: essa é a razão para o conceito de "coalizão arco-íris" de Jackson.
Ele não teve um sucesso completo na formação dessa coalizão. Suas posições anti-semitas foram particularmente destrutivas ao alienar o apoio de um grupo étnico tradicionalmente simpático às aspirações dos negros. Mas, a despeito dessas falhas, a campanha de Jackson para a candidatura democrata de 1984 provou ter uma grande força política, vencendo eleições em vários estados do Sul, alcançando até 25% dos votos em estados mais industrializados, como Illinois e Nova Iorque, e forçando o comprometimento do Partido Democrata em manter e estender as conquistas políticas dos negros dos anos 60. Respondendo ao ressurgimento do racismo americano representado por Reagan, o movimento negro norte-americano entra nos anos 80 com um sentido renovado de propósitos e missão.

No Brasil, um caminho mais longo
Como a experiência americana pode ser comparável àquela encontrada no Brasil? Nada refuta mais efetivamente o mito da "democracia racial" do Brasil que a extensa história da luta dos negros neste país. Nos últimos cem anos, nota-se uma progressão, desde o movimento abolicionista dos anos 1870 e 80, através das organizações culturais e políticas do período pós-1920 (a mais proeminente das quais foi a Frente Negra Brasileira, banida por Getúlio Vargas em 1937), até o Movimento Negro Unificado de hoje. Esses movimentos são uma evidência conclusiva — como se fosse necessária — da contínua existência da discriminação e desigualdade racial na multirracial sociedade brasileira.
Desde 1945 esses movimentos têm atraído entusiástico apoio de dezenas de milhares de seguidores e têm sido instrumento de estímulo à continuidade do debate público sobre as deficiências do "paraíso racial" brasileiro. Mas nenhum deles conseguiu gerar um movimento de massa, com o peso moral e político que fez de Martin Luther King, Andrew Young, Julian Bond, Jesse Jackson e outros líderes negros figuras de proeminência nacional nos Estados Unidos. Por que acontece isso?
Uma importante parte da resposta repousa no caráter paternalista e autoritário das relações sociais e políticas brasileiras, que, mesmo durante períodos de democracia, torna muito difícil construir um movimento político de massas autônomo e nacional.
Mas é importante notar que o movimento pelos direitos civis nos EUA surgiu, e teve as suas vitórias mais retumbantes, na região mais tradicionalista, autoritária e repressiva do país: os estados do Sul. O autoritarismo, em si só, não pode explicar as diferentes trajetórias das lutas negras nos dois países; deve-se prestar atenção também na natureza das relações raciais brasileiras, onde não existe a separação racial imposta pelo Estado, como se verifica na segregação norte-americana ou no apartheid sul-africano. O caráter substancialmente mais relaxado da hierarquia racial brasileira trabalha para minar a mobilização política afro-brasileira de múltiplas formas.

A necessidade de instituições próprias
Primeiramente, ao permitir a integração dos afro-brasileiros, ainda que em termos de inferioridade, nas instituições básicas da sociedade, no Brasil, reduz a necessidade do povo negro de desenvolver instituições sociais e culturais próprias e, por isso mesmo, mais autônomas, como a segregação racial exigiu nos Estados Unidos. Assim, o Brasil não compartilha com os Estados Unidos a tradição de igrejas e faculdades independentes, que favoreceram sensivelmente a formação da base ideológica e institucional e de liderança, para o movimento dos direitos civis.
Da mesma maneira, a ausência de um limite claramente estabelecido entre "negro" e "branco" no Brasil torna possível a cooptação, por parte do grupo racial branco, de afro-brasileiros particularmente talentosos e ambiciosos. Em um sistema mais rígido, tais indivíduos permanecem na casta racial negra e assumem posições de liderança dentro dela. Mas, no Brasil, não é impossível para eles negar a sua negritude; de fato, manter identidade afro-brasileira pode tornar-se um exercício consciente de força que muitos estão relutantes em assumir.

Valorizar a base moral do movimento
Uma forma ainda mais efetiva pela qual o sistema brasileiro de hierarquia racial trabalha contra a formação de um movimento político afro-brasileiro é depreciando a base moral desse movimento. Um dos mais importantes traços da luta afro-americana tem sido a habilidade de se apropriar dos valores morais para tirar vantagens políticas disso, explorando todas as mais óbvias injustiças da segregação e da discriminação racial, para mobilizar tanto os brancos oponentes ao racismo quanto os negros. Os segregacionistas ficaram finalmente impossibilitados de legitimar um sistema que visivelmente contradizia aqueles princípios tão definidos que a sociedade clamava por base: justiça, igualdade e liberdade.
Se a brutalidade e a crueza do racismo norte-americano provaram ser sua maior fraqueza, então, ao inverso, a flexibilidade e a sutileza do racismo brasileiro provaram ser a sua maior força. A indignação moral contra a desigualdade racial é muito mais difícil de ser gerada em um país onde a discriminação assenta-se sobre formas silenciosas e, às vezes, inconsistentes, tornando difícil identificá-la e transformá-la em ação política. Impede ainda mais a criação de um sentido de indignação contra o racismo a triste necessidade de combater toda uma série de injustiças que caracterizam a sociedade brasileira.
Milhões de negros brasileiros sofrem diariamente a injúria e as aflições da discriminação racial. Mas milhões de brasileiros, de todas as raças, sofrem talvez as mais básicas injúrias da miséria, desnutrição, ausência de oportunidade de educação, poluição ambiental. Claro que o racismo funciona como agravante dessas injúrias e, na mesma medida em que a sociedade é dividida racialmente, ela é vulnerável à dominação e exploração das camadas superiores. Até os membros do grupo racial dominante sofrem em si mesmos a situação, como tão eloquentemente evidenciam as multidões de "brancos pobres" da América do Sul e do Brasil. Mas, dados os múltiplos desafios agudos e imediatos que confrontam a sociedade brasileira, o problema do racismo perde a relevância que tem nas sociedades mais prósperas e equitativas, como os Estados Unidos.
Ao se considerar estes obstáculos para a criação de um movimento anti-racismo, as conquistas políticas dos líderes e cidadãos afro-brasileiros durante o período da "abertura" ganham uma significação especial. Desde 1980 todos os partidos legais têm reconhecido publicamente a existência de discriminação racial e desigualdade racial no Brasil. Três dos partidos de oposição (PMDB, PDT e PT) constituíram comissões especiais ou grupos de trabalho para preparar políticas nessa área.
Em São Paulo, o governo Montoro criou um Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, dando assim acesso direto aos líderes negros a altos níveis do governo do estado mais populoso e economicamente mais importante do Brasil. Os governos do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul estão agora estudando a criação de organismos parecidos. Num país que historicamente tem preferido ignorar qualquer indicação de desarmonia racial em suas fronteiras, estas iniciativas são importantíssimos passos à frente.
Recentemente, os líderes negros têm também gerado um substancial capital político, por chamarem a atenção pública para um dos mais brutais aspectos das relações raciais brasileiras — a repressão policial de afro-brasileiros e o preconceito, por parte dos órgãos penais (e de muitos cidadãos), de que "negro é bandido até que se prove o contrário". Denunciar essas práticas pode ajudar a gerar aquele senso de indignação moral que tem provado ser tão importante no movimento afroamericano.
Mas, lutando para criar um movimento nacional de massas, os líderes afro-brasileiros estão claramente face a um longo e íngreme caminho que envolve educação e luta. Não é por acidente que o movimento negro tem sido mais ativo e tem alcançado seus maiores êxitos no Estado de São Paulo, onde existe um sistema mais agressivo de relações entre brancos e negros, mais próximo daquele que existe nos Estados Unidos. Quando tenta se estender às áreas mais tradicionais do Brasil, a mobilização negra encontra obstáculos políticos, sociais e raciais discutidos acima.
Se o movimento negro no Sul segregacionista dos Estados Unidos era como o virtuoso Davi confrontando-se com um monstruoso, mas vulnerável, Golias, o movimento afro-brasileiro está frente a frente com um inimigo mutante, escorregadio e sobretudo invisível, que precisa ser antes revelado para poder ser derrotado. Assim sendo, conquistar uma "segunda abolição", no Brasil, a cada passo, será tão difícil como tem sido nos Estados Unidos. Talvez mais ainda.

Texto escrito por George Reid Andrews
Professor da Universidade de Pittsburgh e pesquisador visitante do CEDEC

1. Por que os afrodescendentes brasileiros, apesar de representar 50% da população não possuem tantos direitos e não são tão incluídos politicamente como os afrodescendentes norte-americanos, que representam apenas 12% da população dos EUA?

2. O que é a democracia racial brasileira, defendida pelos intelectuais brasileiros até os anos 50?

3. Existiriam formas pelas quais a história da luta dos negros nos Estados Unidos poderia trazer luz às lutas anti-racistas no Brasil?

4. Quais são os líderes negros no Brasil que lutam contra a descriminação racial? E nos EUA? Por que existe esse diferença?

* Obs.: Deixar as respostas no blog no campo comentários.

4 comentários:

  1. Professor, se eu colocar minha resposta aqui , os outros alunos não viria facilmente a resposta? Bem, entregarei no caderno...

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  2. Sim. Bastaria alguém copiar e colar. Também entregarei no caderno.

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  3. Respostas das Questões Relacionadas ao Texto
    “O Negro no Brasil e nos Estados Unidos”.

    1) Durante a vida toda, os negros trabalhavam para seus senhores, nunca para si, recebendo um mínimo para sua sobrevivência. Com o fim da escravidão, não ocorreu aos abolicionistas a necessidade de garantir-lhes meios para sua sobrevivência nem a posse da terra para sua fixação. Favorecidos de um lado, a marginalização dos negros não acabou.
    A partir daí, o negro permanecia desempregado por não possuir qualificação e passou a ser utilizado em serviços que exigiam mão-de-obra pesada. De escravos, os negros passaram a ser assalariados, mas não ascendem, socialmente, como os brancos. A qualificação era importante, pois determinava a capacidade de cada um no mercado de trabalho que, no entanto, era seletivo, deixando os negros em último lugar na ordem de preferência. Esta tendência continua, ainda, nos dias de hoje. Os negros, em sua grande maioria, continuam sem vez e sem voz, devido à classe social e a falta de qualificação que tiveram e que hoje, aos negros sobraram apenas os pequenos serviços.


    2) A questão racial esteve presente na década de 1950 não só como tema de investigação patrocinada pelas Nações Unidas. Era uma questão política e existencial para intelectuais negros que se organizavam no período. Um importante intelectual negro, o sociólogo Guerreiro Ramos, participou da discussão e analisou a questão racial no artigo "Contatos raciais no Brasil", publicado em 1948 da revista Quilombo. Para Guerreiro Ramos, a questão do negro não é uniforme no Brasil, há diferenças regionais e de classe; o preconceito de cor não equivale ao preconceito racial. Guerreiro Ramos defende a integração do negro. Discute os mecanismos de integração e defende técnicas capazes de libertar os negros dos ressentimentos e das ansiedades. Sua questão fundamental era a promoção social do negro, era prepará-lo para a vida social eliminando o ressentimento.

    3) Considerando a história das relações raciais nos Estados Unidos, os avanços conseguidos durante aqueles anos foram verdadeiramente extraordinários. A segregação foi superada, o sufrágio definitivo foi estendido ao povo negro através do Ato dos Direitos de Voto de 1965, e o governo federal instituiu programas de "igualdade de oportunidades" e "ação afirmativa" para combater o racismo. Essas conquistas transformaram o Estado nacional, de um impostor da desigualdade racial, em exatamente o oposto: um ativo e poderoso oponente da discriminação racial e fiador das oportunidades para o povo negro em áreas como educação, moradia e emprego. E assim a história da luta dos negros nos Estados Unidos trouxe luz às lutas anti-racistas no Brasil.

    4) No Brasil:
    ZUMBI – Descendente de guerreiros angolanos. Em 1965, reuniu mais de dois mil palmarinos e invadiu povoados em busca de alimentos e arma.
    LUIZ GAMA – foi um poeta, jornalista, advogado, republicano e abolicionista.

    No Eua:
    MARTIN LUTHER KING – Uma das maiores personalidades da história da humanidade, Martin Luther King Jr. lutou contra a desigualdade racial por meio do ativismo político.
    MANDELA – Foi o líder que lutou contra o Apartheid na África do Sul, defendendo a democracia e o fim da segregação racial.
    OBAMA – Foi eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, em 2008. Seu programa de governo era contra a guerra, a favor do desarmamento nuclear e previa uma reforma no sistema de saúde.

    O movimento pelos direitos civis nos EUA surgiu, e teve as suas vitórias mais retumbantes, na região mais tradicionalista, autoritária e repressiva do país: os estados do Sul.
    O autoritarismo, em si só, não pode explicar as diferentes trajetórias das lutas negras nos dois países. Nas relações raciais brasileiras, não existe a separação racial imposta pelo Estado, como se verifica na segregação norte-americana ou no apartheid sul-africano.

    NOME: Rawane k. Motta Cortina
    SÉRIE: 3º Ano "D"

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  4. Olá. Será que haveria a possibilidade de correção das respostas aqui no blog? Pois na resposta de Anônimo no item 4 ele afirma escrevia "Em 1965, reuniu mais de dois mil palmarinos (nativos do quilombo dos Palmares) e invadiu povoados em busca de alimentos e armas". Creio ser apenas um erro de digitação do site aue forneceu a informação. Sendo que o correto seria 1695 e
    Não erroneamente como o do texto abaixo. Obrigado http://douglasborba.com.br/site/consciencia-negra-5-lideres-que-fizeram-historia-deixam-licoes-valiosas/

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