O presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa
STF
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se esconde atrás de piadas e os negros
permanecem longe de ter acesso às mesmas oportunidades que os brancos, apesar
de comporem a maioria da população. Em entrevista exclusiva à RFI, Barbosa
afirma que um dos piores exemplos é a face brasileira no exterior: a
diplomacia, segundo ele, ainda “é muito discriminatória”.
Durante
sua curta passagem por Paris, na semana passada, o presidente do STF foi
recebido como convidado de honra no Conselho Constitucional francês, uma das
instituições de maior prestígio do país. Poucos minutos antes de embarcar em um
trem rumo a Londres, onde cumpre a segunda etapa de compromissos oficiais na
Europa, ele conversou com a RFI.
Na semana
passada, enquanto os jornalistas brasileiros aguardavam o senhor em um café na
praça da Sorbonne, um garçom francês, negro, reconheceu o seu nome e sabia quem
o senhor era. O senhor já é reconhecido no exterior?
Eu sempre tive o hábito de parar na praça da Sorbonne, não somente para tomar um café mas para estudar. Eu gostava de ficar ali. Mas em relação a um garçom ter me reconhecido, isso representa o fato de que os negros se reconhecem em qualquer lugar do mundo. Eles se reconhecem uns nos outros.
Eu sempre tive o hábito de parar na praça da Sorbonne, não somente para tomar um café mas para estudar. Eu gostava de ficar ali. Mas em relação a um garçom ter me reconhecido, isso representa o fato de que os negros se reconhecem em qualquer lugar do mundo. Eles se reconhecem uns nos outros.
A sua
carreira é de exceção no Brasil: um negro de origem humilde que chega à
presidência do STF. Hoje, foram implantadas as cotas, por exemplo, entre outras
ações para integrar melhor os negros na sociedade, inclusive em altos cargos. O
senhor acha que a situação melhorou?
As coisas melhoraram um pouco nestes últimos 20 anos. Mas eu acho que nós ainda precisamos de bastante cotas em diversas áreas, porque 50 ou 51% da população é formada por negros. Entretanto, eles ainda se encontram em situações de inferioridade, sofrem discriminação, conseguem empregos ruins. No Brasil, nós não vemos os negros em cargos de direção nas empresas, ao contrário de outros países. A nossa diplomacia é formada em 99% por brancos e é muito discriminatória. Ou seja, ainda temos muito a fazer. Muito mesmo.
As coisas melhoraram um pouco nestes últimos 20 anos. Mas eu acho que nós ainda precisamos de bastante cotas em diversas áreas, porque 50 ou 51% da população é formada por negros. Entretanto, eles ainda se encontram em situações de inferioridade, sofrem discriminação, conseguem empregos ruins. No Brasil, nós não vemos os negros em cargos de direção nas empresas, ao contrário de outros países. A nossa diplomacia é formada em 99% por brancos e é muito discriminatória. Ou seja, ainda temos muito a fazer. Muito mesmo.
Na
Europa, essa pouca representação dos negros nos altos cargos no Brasil, um país
tão miscigenado, causa estranheza. O senhor acha que o Brasil é um país
racista?
É um país onde o racismo é latente. Não é explícito: é latente. Ele é disfarçado, e se mostra nas situações nas quais os negros são excluídos. Quando alguém é surpreendido em um ato racista, ele muda de discurso, faz como se não fosse nada, diz que era uma brincadeira, reafirma que o país é uma mistura de raças, lembra que tem uma tia negra. Porém, em tudo aquilo que conta de verdade, na economia, nas posições de comando, os negros são excluídos.
É um país onde o racismo é latente. Não é explícito: é latente. Ele é disfarçado, e se mostra nas situações nas quais os negros são excluídos. Quando alguém é surpreendido em um ato racista, ele muda de discurso, faz como se não fosse nada, diz que era uma brincadeira, reafirma que o país é uma mistura de raças, lembra que tem uma tia negra. Porém, em tudo aquilo que conta de verdade, na economia, nas posições de comando, os negros são excluídos.
Recentemente,
a ministra francesa da Justiça, Christiane Taubira, foi alvo de vários ataques
racistas. O senhor se encontrou com ela na semana passada. Vocês conversaram
sobre este assunto?
Sim, nós falamos. Eu acho isso vergonhoso para a França. Uma mulher com muitas qualidades, como a ministra da Justiça Taubira, ser alvo de atos de machismo e de racismo. Nós estudamos na mesma faculdade de Direito em Paris, Panthéon-Assas, embora não tenhamos nos conhecido na época. Ela estudava em Assas e eu fazia o doutorado em Panthéon. E nós conversamos sobre incidentes racistas que nós dois tivemos na época. Houve brigas envolvendo a extrema-direita no campus, coisas assim. Eu acho tudo isso assustador. Porém, na França pelo menos existe o debate, enquanto, no Brasil, tudo fica escondido. Tudo fica como se fosse uma brincadeira. As medidas necessárias [contra o racismo] não são tomadas. O assunto é tratado com superficialidade. O assunto não é levado a sério, e este é o problema.
Sim, nós falamos. Eu acho isso vergonhoso para a França. Uma mulher com muitas qualidades, como a ministra da Justiça Taubira, ser alvo de atos de machismo e de racismo. Nós estudamos na mesma faculdade de Direito em Paris, Panthéon-Assas, embora não tenhamos nos conhecido na época. Ela estudava em Assas e eu fazia o doutorado em Panthéon. E nós conversamos sobre incidentes racistas que nós dois tivemos na época. Houve brigas envolvendo a extrema-direita no campus, coisas assim. Eu acho tudo isso assustador. Porém, na França pelo menos existe o debate, enquanto, no Brasil, tudo fica escondido. Tudo fica como se fosse uma brincadeira. As medidas necessárias [contra o racismo] não são tomadas. O assunto é tratado com superficialidade. O assunto não é levado a sério, e este é o problema.
Durante
as manifestações do ano passado, o senhor era visto como um ídolo. O seu nome
era evocado para a presidência da República. Nos últimos meses, entretanto, o
senhor virou alvo da imprensa, como por exemplo sobre o pagamento de diárias
durante a sua viagem à Europa. Como o senhor sentiu essa mudança?
Isso não me incomoda. Isso faz parte do caráter um pouco provinciano do debate público no Brasil. Eu gostaria de debater as coisas sérias. É isso que me interessa. Mas tem uma certa imprensa sem escrúpulos no Brasil, pessoas pagas por fundos governamentais e que só querem saber de me atacar, mas eu só faço o meu trabalho. Faço o meu trabalho e não estou nem aí para essas pessoas.
Isso não me incomoda. Isso faz parte do caráter um pouco provinciano do debate público no Brasil. Eu gostaria de debater as coisas sérias. É isso que me interessa. Mas tem uma certa imprensa sem escrúpulos no Brasil, pessoas pagas por fundos governamentais e que só querem saber de me atacar, mas eu só faço o meu trabalho. Faço o meu trabalho e não estou nem aí para essas pessoas.
Questionar
a sua honestidade o incomoda?
São os brasileiros que devem dizer se sou honesto, e não estes maus-caracteres.
São os brasileiros que devem dizer se sou honesto, e não estes maus-caracteres.
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