Foi o início de uma ditadura militar de duas
décadas no Brasil. Especialistas contam como ocorreu a tomada do poder do país
pelos militares.
O ambiente que
propiciou o golpe militar de 31 de março de 64, e a ditadura que se instalou
pelas duas décadas seguintes, estão nesta reportagem especial de Mônica
Sanches.
Era um tempo de
turbulências na política e na economia: a inflação acumulada em um ano chegou a
80% e as riquezas do país estavam encolhendo.
“Havia também
uma falta de gêneros de primeira necessidade - alguns deles racionados, como o
caso do açúcar. Havia uma distribuição de energia precária, a mesma coisa para
a água. Transportes coletivos também. Por conta das greves, muitas vezes não
eram disponíveis. Então, a vida das pessoas, o dia a dia, era bastante
complicado”, lembra o economista da PUC-Rio Mário Mesquita, autor de um estudo
sobre economia no país antes do golpe.
O mundo estava dividido
pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. O historiador Carlos
Fico encontrou, em arquivos nos Estados Unidos, provas dos esforços do
embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, para derrubar João Goulart.
“Lincon Gordon
teve uma importância muito grande no convencimento do Departamento de Estado da
tese segundo a qual João Goulart daria um golpe ou criaria uma República
Sindicalista. E por ser um personagem politicamente frágil, os comunistas
tomariam conta desta República Sindicalista”, conta Carlos Fico, historiador da
UFRJ.
O temor de que
Jango desse um golpe de esquerda aumentou depois do comício de 13 de março, no
Rio, quando o presidente prometeu fazer as chamadas reformas de base. Ele tinha
o apoio de movimentos sociais dispostos a impor essas mudanças na lei ou na
marra.
“O comício da
Central do Brasil foi organizado por um grupo de sindicalistas, comunistas e
trabalhistas. E ali ele vai se aliar às esquerdas no sentido de pressionar o
Congresso Nacional para aprovar as reformas”, explica o biógrafo da UFF Jorge Teixeira.
Parte da
população foi para a rua contra o governo de João Goulart, com o incentivo de
políticos de oposição, como o então governador de São Paulo, Ademar de Barros.
A primeira
Marcha da Família com Deus pela Liberdade aconteceu no Centro de São Paulo. Ela
passou pelo Viaduto do Chá, no dia 19 de março de 1964, arrastando cerca de 400
mil pessoas.
O sentimento
mais comum era o medo de mudanças que aproximassem o país de um regime
comunista. Mas muita gente que estava lá não imaginava o que aconteceria
depois: um golpe de Estado, sucedido por uma ditadura militar, que duraria 21
anos.
Um telegrama
enviado para a embaixada americana no Rio marca o início da operação Brother
Sam. Os Estados Unidos estavam enviando ao Brasil navios petroleiros, um porta-aviões, contra
torpedeiros e 110 toneladas de munição.
Neste ambiente
político radicalizado, o general Olímpio Mourão Filho toma a frente do
movimento contra o Jango e lidera uma tropa partindo de Juiz de Fora.
No dia 31 de
março de 1964, o presidente João Goulart acordou no Palácio Laranjeiras e logo
soube da movimentação das tropas que vinham de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. Lá, ele recebeu visitas e informações que
foram fundamentais para as decisões tomadas ao longo do dia.
“Aqui vem o
general Peri Bevilacqua, que é o chefe do Estado maior das Forças Armadas, com
um documento assinado por vários generais que diz o seguinte: ‘Se Goulart
decretasse a ilegalidade do Comando Geral dos Trabalhadores e prendesse os
comunistas, as Forças Armadas iriam apoiá-lo’”, conta Jorge Ferreira.
No fim da
noite, Goulart fica sabendo que o comandante das tropas de São Paulo também
apoiava o golpe.
“Ele percebe
que é uma ação conjunta das Forças Armadas. Com o apoio dos empresários, com o
apoio de amplos setores da classe média, dos meios de comunicação, do poder
legislativo, com o apoio dos governadores de estado”, acrescenta Ferreira.
João Goulart é
informado sobre a esquadra americana, que estava a caminho. “Isso pesa. Pesa
porque ele percebe que o país pode entrar em uma guerra civil com intervenção
estrangeira”, lembra Ferreira.
No dia 1º de
abril, Goulart vai para Brasília e, de lá, segue para Porto Alegre em busca de
apoio. Enquanto Jango voava, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade,
abriu o caminho para os golpistas.
“Ou seja, houve
uma operação militar de um golpe, mas também houve um golpe do poder
legislativo ao depor Goulart, estando em território nacional. E logo depois, o
Áureo Moura Andrade empossa na presidência da República o Ranieri Mazzilli, o
presidente da Câmara dos Deputados na linha de sucessão, com a presença, com o
endosso do ministro do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, houve um golpe do Poder
Legislativo endossado pelo Poder Judiciário e logo a seguir o governo
norte-americano reconhece o novo governo”, explica Ferreira.
Sem
resistência, a intervenção militar americana não foi necessária. Mas o governo
americano apresentou a conta da operação Brother Sam: US$ 2,3 milhões, que
nunca foram pagos pelo Brasil.
Em 11 de abril,
o general Humberto Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional e assumiu
a Presidência da República. Os militares tinham prometido entregar logo o poder
aos civis, mas ainda vieram mais quatro generais e 17 atos institucionais.
“O AI-5, entre
outras barbaridades, ele proibiu a concessão de habeas corpus para presos
políticos. Isso foi o sinal verde para a tortura. Porque você era preso e
ficava preso pelo tempo que os carcereiros militares quisessem, nas condições
que eles quisessem”, conta o jornalista Cid Benjamin.
Enquanto a
propaganda oficial falava em Brasil grande, com obras monumentais, a repressão
e a censura se intensificavam. Em dezenas de instalações militares e policiais
espalhadas pelo país, 362 pessoas morreram ou desapareceram depois de serem
presas.
A perseguição
aos opositores aumentou após as ações de grupos armados que pretendiam combater
a ditadura e, ao mesmo tempo, implantar um regime socialista.
“Acho também
importante dizer que foi errada a opção pela luta armada, porque nós não
conseguiríamos galvanizar a população brasileira de uma forma suficiente para
poder enfrentar e derrubar a ditadura militar”, explica Benjamin.
Só em 1985,
após uma grande mobilização popular, o Brasil voltou a ter um civil na
presidência. Quatro anos depois, os brasileiros puderam novamente escolher, por
eleições diretas, o presidente do país.
“Toda a
sociedade tem o direito à memória e à verdade para se evitar que haja novamente
este cenário de horror que acabou ocorrendo no Brasil durante tanto tempo”,
afirma Pedro Dellari, coordenador da Comissão Nacional da Verdade.
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