
I –
APRESENTAÇÃO
Entende-se por República Velha o
período da História do Brasil que vai da Proclamação da República, em 1889, até
a Revolução de 1930.
Apesar da mudança na forma (República)
e no sistema de governo (Presidencialista), além da adoção de uma nova
Constituição (1891), mantém-se a tradição agrário-latifundiária-exportadora,
com o predomínio das oligarquias rurais (coronéis) e as acentuadas disparidades
sociais – quadro típico do Império, cujas origens remontam à Colônia.
Algumas alterações, porém, se fazem
notar nessa Primeira República: a maior presença do grande capital, a
intensificação da industrialização, a entrada mais maciça de imigrantes, a marginalização
do negro e do nascente operariado, o surgimento de novas ideologias nascidas
principalmente das precárias condições de trabalho nas fábricas, além de
diversos choques, no campo e na cidade, que demonstram o questionamento do
poder dominante.
A República Oligárquica é um arranjo
de forças opostas, novas e tradicionais, em conflito: de um lado,sertanejos,
operários, ex-escravos, imigrantes marginalizados e militares de baixa patente,
e de outro,as forças dominantes, representadas pela aristocracia agrária,
militares de alta patente e a nascente burguesia urbano-industrial.
Assim como a Proclamação da República
não pode ser considerada um marco transformador das estruturas do Império, a
Revolução de 1930 também deve ser entendida bem mais como uma rearticulação de
novas forças, representadas pela burguesia industrial em ascensão, em convívio
com as oligarquias rurais até então predominantes.
II - A
CRISE DA MONARQUIA E AS ORIGENS DA REPÚBLICA
A partir da segunda metade do século
XIX, aproximadamente, a monarquia brasileira não responde
satisfatoriamente
às necessidades de transformação e aos grandes questionamentos levantados por
uma parcela cada vez mais significativa das classes médias e altas.
São
questionados, dentro do Império:
• o unitarismo, que centraliza
as decisões na figura do imperador;
• o voto censitário, que
exclui a maior parte da população dos direitos políticos,
• o Senado vitalício, que
perpetua em torno do monarca elementos da elite agrário-escravista;
• o regime de Padroado, que
submete a Igreja ao Estado;
• o escravismo, que se torna
incompatível com as condições impostas pelo Capitalismo do século XIX;
• a Constituição de 1824, que
prevê todas as características acima.
Reivindica-se um novo sistema e
uma nova forma de governo, respectivamente, o Presidencialismo e
a República, para tornar possível: o
federalismo; o fim do voto censitário; o fim da vitaliciedade
do Senado; a independência da Igreja ao Estado; o estímulo ao trabalho
assalariado e ao crescimento econômico; uma nova Constituição,
formalizadora de tudo isso.
É significativo, ainda, o fato de o
Brasil ser, em fins do século XIX, a única monarquia das Américas e um dos
últimos redutos do escravismo no continente.
Todo esse questionamento da estrutura da
monarquia explica a existência das questões, principalmente a partir de 1870,
vistas a seguir, que conduzem à Proclamação da República.
1 -
QUESTÃO MILITAR
Terminada a Guerra do Paraguai
(1864-70), o Exército Nacional retorna vitorioso e consciente de sua força
política. O contato com a oficialidade das nações vizinhas, Repúblicas
governadas por militares, amplia a ambição política e o sonho republicano entre
as altas patentes. O exército reclama ainda da interferência do poder civil em
assuntos especificamente militares e dos baixos soldos.
A insatisfação com a monarquia
expressa-se na adoção do positivismo, filosofia de origem européia,
baseada na
defesa “da ordem e do progresso”. Nesse contexto, o exército passa a
defender o desenvolvimento econômico com base na industrialização, no estímulo
à imigração e no fim da escravidão, incompatíveis com os interesses dos grupos
latifundiários e escravistas dominantes do Império. A defesa do abolicionismo
prende-se ainda a um desejo de recompensar aos escravos pela participação dos
mesmos na Guerra do Paraguai.
Por tudo isso, a Questão Militar representa
o fim do apoio do exército à Monarquia e sua conseqüente adesão à República.
2 -
QUESTÃO RELIGIOSA
O regime do Padroado, que submete a
Igreja ao Estado, previsto pela Constituição Imperial de 1824, causava
crescente insatisfação entre os clérigos.
No início dos anos 70, bispos do Rio
de Janeiro, Olinda e Belém não aceitam a presença de padres em lojas maçônicas
e de membros da maçonaria em irmandades religiosas. Essas irmandades recorrem
ao Imperador D. Pedro II, que condena os bispos à prisão. Tal fato é o culminar
da Questão Religiosa, mediante a qual a Igreja retira o apoio à
Monarquia. O clero defende a República, condicionado à separação entre Igreja e
Estado no regime posterior.
3 -
MANIFESTO REPUBLICANO E PARTIDOS REPUBLICANOS
A publicação do “Manifesto
Republicano”, em 1870, explicita a indesejável condição do país de única
monarquia das Américas (“Somos da América e queremos ser americanos”). Expressa
as concepções republicanas de liberalismo e federalismo inexistentes
na Monarquia. Condena o escravismo, o que faz com que duas correntes passem a
defender os mesmos interesses: a abolicionista e a republicana. O desejo de
maior autonomia às províncias (federalismo) leva a adesão de grandes
proprietários rurais à causa da República.
Muitos
desses são responsáveis pela fundação de Partidos Republicanos em todo o
país, com destaque para o Partido Republicano Paulista (PRP), surgido na
Convenção de Itu (1873) e aglutinando os cafeicultores da província, em
especial do Oeste, de grande poder econômico.
O Manifesto Republicano e os PR’s
formalizam as bases políticas para o questionamento da Monarquia.
4 -
QUESTÃO ABOLICIONISTA
Sem o apoio do Exército, da Igreja,
dos cafeicultores do oeste paulista, das classes médias e de parcela
significativa da imprensa, restava ao Imperador o apoio de um único reduto: dos
tradicionais “barões do café”,latifundiários e escravistas.
Entretanto, ao longo da segunda
metade do século XIX, D. Pedro II vem sendo insistentemente pressionado,
interna e externamente, para o fim do trabalho escravo, o que contraria os
interesses dos monarquistas tradicionais. É significativa a participação da
Inglaterra, em plena Revolução Industrial, lutando pelos seus interesses
capitalistas de ampliação dos mercados consumidores no Brasil, incompatíveis
com o escravismo.
Acuado diante dos interesses antagonistas
dos escravistas-monarquistas e dos abolicionistas-republicanos, o monarca
promove a abolição gradual da escravidão, com leis de pouco significado
prático para o escravo. As insuportáveis pressões pelo fim do escravismo levam
à Lei Áurea de 1888, sem as esperadas indenizações aos senhores de terra
pela perda de seus escravos. É o ápice da Questão Abolicionista, que
conduz até mesmo tradicionais latifundiários à causa da República, numa atitude
de represália ao Imperador (são chamados de “Republicanos do 13 de maio”).
Sem qualquer ponto de sustentação
política, D. Pedro II deixa o país, possibilitando o golpe de implantação da
República, em 15 de novembro de 1889, numa pacífica transição de regimes.
III -
INSTABILIDADE INICIAL DA REPÚBLICA
Com a Proclamação, formalizada pelo Marechal
Deodoro da Fonseca, é instalado o primeiro Governo da República, ainda
provisório, chefiado pelo mesmo marechal.
No Governo Provisório de Deodoro (1889 a 1891) extingue-se a
vitaliciedade do Senado e separa-se a Igreja do Estado. O Presidente convoca a
Assembléia Constituinte que promulga, em 1891, a primeira
Constituição da República, baseada na Carta dos Estados Unidos. São destaques
da Constituição de 1891:
• Forma
de Governo: República
• Sistema
de Governo: Presidencialismo
•
Federalismo - maior autonomia aos Estados, sem extinguir a força da União.
•
Independência dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.
• Voto
direto, mas não secreto, masculino, para maiores de 21 anos. Estão excluídos:
mulheres, menores, padres, soldados e analfabetos.
•
Separação Igreja / Estado, oficializando o registro e o casamento civil.
• Riquezas
do sub-solo pertencem ao dono do solo e não à nação.
A Proclamação da República satisfaz
aos interesses elitistas de pequena parcela da população. Tais interesses estão
expressos na Constituição, sobretudo, na questão do voto: elimina-se o voto
censitário, mas proíbe-se o voto do analfabeto, o que significa, a exemplo
do período imperial, a exclusão política da imensa maioria de brasileiros,
sem o direito da cidadania. A ausência do voto secreto também traduz a
existência de mecanismos nada éticos para perpetuação do domínio político das
minorias.
A Constituição de 1891 traduz o próprio
significado da República: liberal em sua forma, mas oligárquica em seu
funcionamento, garantindo apenas às elites fundiárias, sobretudo cafeicultores,
o controle político do Brasil, ao longo da República Velha.
Eleito indiretamente pela Assembléia
Constituinte, o Governo Constitucional de Deodoro (1891) é marcado por
grande instabilidade, exemplificada pela (o):
• oposição dos cafeicultores,
sobretudo de São Paulo – Deodoro é eleito graças ao apoio do exército;
• fracasso da política financeira do
ministro Rui Barbosa – assunto visto adiante;
• dissolução do Congresso pelo
Presidente;
• primeira Revolta da Armada (RJ),
provocando cisões dentro das Forças Armadas.
Esse quadro leva à renúncia de Deodoro e
à ascensão do Governo de Floriano Peixoto (1891 a 1894), cuja posse é
amplamente questionada, uma vez que o titular não havia completado a metade de
seu mandato, o que deveria provocar nova eleição, de acordo com a Constituição
(Floriano alega que tal dispositivo é válido apenas quando o titular elege-se
pelo voto direito).
Apesar da reabertura do Congresso, o
Presidente enfrenta dois movimentos armados, os quais reprime com violência: a
nova Revolta da Armada (RJ), em 1893 e a Revolta Federalista (RS),
de 1892 a
1895. Essas rebeliões expressam uma cisão dentro do exército, um
descontentamento de setores da marinha (sem grande participação no poder
político nacional) e as pressões dos setores agro-exportadores. Tais setores
elegem, em 1894, Prudente de Morais, iniciando seu controle efetivo
sobre o país, o que se estende por toda a República Velha. É o fim da chamada República
da Espada (1891-94) e a eleição do primeiro civil à presidência.
IV -
ECONOMIA
O Brasil mantém, como no Império, a
vocação agro-exportadora. O café representa o principal produto,
sendo responsável por boa parte da renda nacional arrecadada. Tal situação
explica, como se verá, a supremacia política das elites cafeeiras e as medidas
governamentais de proteção e valorização do produto. Produtos como a borracha e
o açúcar merecem algum destaque na produção nacional, assim como o limitado
crescimento da indústria.
1 - O CAFÉ
Os
primeiros tempos da República assistem à superprodução de café, o que
leva à Política do Encilhamento, do ministro Rui Barbosa, à época do
presidente Deodoro da Fonseca. Tal política consistiu em emissões praticadas
pelo governo para concessão de empréstimos aos industriais, visando
reduzir a excessiva vocação cafeeira do país. Embora bem intencionada, não é
bem sucedida devido ao:
- aumento
do custo de vida (desvalorização da moeda), pelo excesso de emissões;
- desvio
de verbas para a cafeicultura, dada a precária fiscalização na aplicação de
tais verbas.
Por isso, o progresso da atividade industrial
advindo do Encilhamento é pouco significativo e a atividade cafeeira acaba
sendo mais ainda estimulada.
Outra decorrência da superprodução é a
redução dos preços do produto no mercado internacional.
Para que os cafeicultores nacionais
não percam seus rendimentos, os governos federais desvalorizam a nossa moeda
para gerar mais lucros aos exportadores.
Aumenta-se, porém, o valor das
importações, gerando dificuldades para o pagamento das mesmas.Por isso, o
Brasil realiza um acordo para captação de recursos com os banqueiros ingleses Rothschild
para pagamento dos compromissos com vencimento imediato. A dívida com os
Rothschild é rolada por 13 anos, sendo oferecidas como garantia aos ingleses as
rendas do porto do Rio de Janeiro e da Rede Ferroviária Federal.
Tal acordo, firmado em 1898, é
conhecido como Funding-Loan.
Em 1906, os cafeicultores de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro impõem ao Governo Federal o Convênio de
Taubaté, com as seguintes disposições:
- compra
dos excedentes de café pelo Governo Federal - o que garante o lucro dos
cafeicultores e estimula o plantio de novos cafezais;
-
regulagem, pelo governo, da oferta do produto no mercado internacional, para
garantia de bons preços - tal determinação deriva da baixa de preços decorrente
da superprodução;
-
proibição da exportação do café de má qualidade;
- estímulo
à propaganda governamental do produto no mercado externo.
2 - A
INDÚSTRIA
Apesar da
existência da indústria estrangeira no país, formada com capital externo, a
indústria brasileira na República Velha é marcada pela subordinação do
capital industrial ao capital cafeeiro e não ao capital externo.
Como também se mencionou, a produção
de bens de capital é insignificante, produzindo-se quase somente bens de
consumo não-duráveis.
Os resultados do censo industrial de
1919 dão-nos uma idéia da estrutura produtiva da indústria de transformação no
Brasil: 30,7% do valor bruto da produção naquele ano provinham das indústrias
alimentícias; 29,3% da têxtil e 6,3% das fábricas de bebidas e cigarros. Apenas
4,7% tinham sua origem na metalurgia e indústrias mecânicas juntas: 2,0% na
indústria química! Com exceção de certas máquinas utilizadas no beneficiamento
do café - produzidas no Brasil desde o século XIX - e de algumas poucas
ferramentas e equipamentos, a indústria nacional não produzia bens de capital,
só bens de consumo.
Esse fato é grave em suas
conseqüências, pois foi tornando a nação cada vez mais dependente do exterior
em mais esse aspecto - a tecnologia industrial.
BIBLIOGRAFIA:
MENDES, JR. ANTÔNIO, E MARANHÃO, RICARDO. BRASIL HISTÓRIA. 2. ED.
BRASILIENSE, SÃO PAULO, 1981. V.3, P.212.
Tal situação, porém, não impede o
surgimento da burguesia brasileira, desde o século XIX, constituída por
imigrantes, banqueiros, comerciantes e cafeicultores-industriais. A grande
diferença em relação à burguesia européia está no fato de que a nossa nasce
associada ao capital externo e dependente do mesmo. Além disso, o nosso
mercado já se apresenta como parte integrante de uma divisão entre as potências
imperialistas, não possuindo, portanto, acesso direto ao mercado mundial.
Muitos fatos explicam a retração da grande
indústria desde fins do século XIX: falta de ação protecionista incisiva
por parte do Governo; reduzida organização do trabalho e concorrência
estrangeira.
As pequenas siderúrgicas do século
passado, por essas razões mencionadas, malogram em seu crescimento e não se
transformam em grande indústria.
Esta,
quando chega ao país, em meados do século XX, já se encontra pronta,
implantada pelo capital externo ou capital estatal. O mesmo ocorre com outros
ramos (química, metalúrgica, mecânica, etc.), inclusive com os tradicionais
alimentícios, que não crescem a partir de uma evolução do que há no país.
Essa é uma diferença fundamental em relação às grandes indústrias do exterior,
que evoluem a partir do próprio crescimento e, depois disso, se expandem até
as nações periféricas.
Um exemplo do citado é a implantação da
Cia. Belgo Mineira, em Sabará (MG), em 1921, com capital
franco-belgo-luxemburguês, para exploração de minério em grande escala.
Simultaneamente, diversas pequenas siderúrgicas mineiras vão à falência e são
fechadas.
Uma das
grandes conseqüências do crescimento da atividade industrial na República Velha
é o surgimento do proletariado industrial, bem como dos movimentos
operários analisados a seguir.
V -
MOVIMENTOS OPERÁRIOS
1 - AS
ORIGENS DO PROLETARIADO NO BRASIL
A longa permanência do escravismo no
país representa um entrave à consolidação da forma assalariada de trabalho e ao
próprio desenvolvimento industrial, uma vez que significa retração à expansão
consumista, necessária ao capitalismo.
O trabalho assalariado surge aos poucos,
ainda na Colônia e, sobretudo, no Império, estimulado pelos imigrantes. Com
esse trabalho, aparecem os operários das primeiras fábricas, fazendo coexistir
no Brasil escravos, imigrantes e operários. Estes últimos se originam,
principalmente, das camadas pobres e urbanas.
O que se observa do movimento operário,
desde sua origem e ao longo da República, é uma evolução não linear, e
sim marcada por fluxos e refluxos, em razão do caráter ainda
embrionário de tal movimento, bem como da repressão patronal, ligada ao Estado
–nesse sentido, menciona-se a Lei Adolfo Gordo, expulsando do país os
estrangeiros envolvidos nas ações operárias.
2- O
ANARQUISMO E O ANARCO-SINDICALISMO NO BRASIL
O Anarquismo, numa definição
simples, é a ideologia que prega a ausência de autoridade, o que
valoriza a liberdade individual a ponto de rejeitar qualquer forma de
organização política.
Uma corrente do Anarquismo, chamada
de Anarco-Sindicalismo, é a tendência dominante do movimento operário
brasileiro nas duas primeiras décadas deste século e ainda em parte dos anos
20. Inspira-se em Bakunin, um dirigente da I internacional dos
Trabalhadores que defende a greve geral como via de conquistas,
valorizando o Sindicato “como meio e fim da ação libertária da classe”.
Dentre as razões da ascensão do
Anarco- Sindicalismo no Brasil estão: a presença de imigrantes de países onde
tal corrente é expressiva, como Itália, Portugal, Espanha e França e a
existência predominante de pequenas unidades produtivas, onde a organização
operária é mais facilitada.
Aqui, chama-se a atenção para duas
diferenças fundamentais em relação aos socialistas e comunistas: a descentralização
do movimento operário e a valorização da liberdade individual em
relação à organização do Estado. (A característica básica do movimento
comunista é a união das classes operárias, sob orientação de um Estado
centralizado e autoritário).
Os anarquistas apregoam ainda uma
ruptura com os valores
tradicionais da sociedade, atacando o clero e a atividade militar (anticlericalismo
e antimilitarismo). Colocam-se contra o serviço militar obrigatório
e a 1ª Guerra Mundial, atacando a participação do Brasil no conflito. Defendem,
porém, a ação revolucionária do proletariado russo no movimento de 1917, se
solidarizando com as classes trabalhadoras externas (internacionalismo)
reprimidas pela ação da burguesia e do Estado.
A ação dos anarquistas possui dois
tipos fundamentais de manifestação: as greves e os congressos.
Indubitavelmente, o
apogeu do movimento grevista na República Velha se encontra na Greve Geral
de 1917, que mobiliza cerca de 50 mil ativistas em São Paulo, colocando em
cheque direto burguesia e operários, sobretudo na capital, numa autêntica
“Revolta Popular”.
1917:
Exigências dos operários em São Paulo:
“35% de aumento salarial, proibição
para o trabalho de menores de 14 anos, abolição do trabalho noturno de mulheres
e menores de 18 anos, jornada de oito horas, congelamento do preço dos
alimentos, redução de 50% nos aluguéis.”
FONTE: (1904 A 1929). 100 ANOS DE
REPÚBLICA, VOL. I, II E III. S. PAULO, NOVA CULTURAL, 1989.
VI -
POLÍTICA
1 - OS
GRUPOS DOMINANTES
A
Constituição de 1891 possui caráter federalista – satisfazendo as elites
agrárias limitadas pelo unitarismo do Império. Além disso, prevê o voto direto.
Esses aspectos favorecem os estados mais fortes economicamente, mais populosos
e com mais eleitores - como Minas e São Paulo.
Analise-se a seguir, o gráfico ao lado
sobre a evolução do eleitorado/população no mesmo período. A grande
discrepância população/ eleitorado deve-se, sobretudo, às restrições ao
direito de voto a determinados segmentos do eleitorado, como mulheres e analfabetos.

A partir do quarto Presidente da
República, Campos Sales (1898-1902), organiza-se um acordo político entre os
estados federados e a União: é a Política dos Governadores, mediante a qual o
presidente apóia a oligarquia dominante em cada estado, com favorecimentos
“eleitoreiros” às suas elites (coronéis), que por sua vez garantem as eleições
dos candidatos oficiais.
A base de sustentação desse
“arranjo” político é o Coronelismo, fenômeno político-social que
expressa o poder dos coronéis e que se faz presente através de meios pouco
“louváveis”: pressões sobre os eleitores, manobras dos cabos eleitorais e,
sobretudo, fraudes eleitorais, facilitadas pela ausência do voto secreto
e pelo controle da justiça eleitoral exercido apenas pela situação (os próprios
coronéis) e não pela oposição. Como se percebe, são falhas contidas na
Constituição em vigor e que favorecem as injustiças políticas.
Para o Legislativo, que era
controlado pelo Governo Federal, só eram “eleitos” os candidatos que se
enquadrassem no esquema da política estadual dominante, para que houvesse o
continuísmo da política oligárquica. O mecanismo utilizado para afastar a
oposição foi a “degola”, isto é, mesmo eleitos, não eram empossados ou
diplomados. Ora, o órgão responsável pela contagem dos votos – Comissão
Verificadora dos Poderes (ou de Reconhecimento), cujos membros eram
recrutados dentro do próprio Congresso, só reconhecia ou diplomava os deputados
ligados aos interesses da elite agrária dominante. Assim, os candidatos da
oposição eram “degolados”.
A partir das eleições de 1914,
outra tendência se faz notar na política nacional, decorrente da situação
anterior: a alternância de mineiros e paulistas na presidência. É a Política
do Café-com-leite.
Em 1910, o Eixo MG-SP sofreu uma
cisão provisória, quando MG (e RS) apoiou o candidato militar
Marechal
Hermes da Fonseca e SP (e BA) o candidato civil Rui Barbosa. Tal episódio é a Questão Civilista e marca a vitória do Mal.
Hermes, fato que gerou conflitos e dissidências entre a oligarquia agrária.
Para reagrupar em torno
do poder essa oligarquia, Hermes da Fonseca instituiu a “Política das
Salvações”, que consistia na substituição, nos Estados, da oligarquia
dissidente pela oligarquia situacionista. O pretexto para as intervenções
federais nos Estados foi o de “salvar a pureza das instituições republicanas”.
Mesmo nas primeiras
décadas da República, a estabilidade das oligarquias dominantes, embora não
abalada, vem sendo questionada através de episódios esporádicos, mas
significativos se tomados no conjunto.
(Não se faz referência, aqui, à Questão Civilista, uma vez que
essa é uma ruptura temporária entre as elites.) Tais episódios representam um
questionamento das estruturas do poder pelas camadas populares.
2 - OS
MOVIMENTOS DE CONTESTAÇÃO AO PODER
O Cangaço, através de sua luta
armada no nordeste, canaliza, de forma radical, as submissões políticas e a
total miséria e abandono das populações de baixa renda. Os cangaceiros, cuja
ação vem do princípio do século até os anos 30, utilizam a chacina, a
destruição e os saques para expressar sua insatisfação, espalhando o terror por
onde passam.
Durante muitos anos,
somente seus atos violentos são divulgados e a análise do Cangaço, feita
superficialmente apenas, os aponta como criminosos comuns. Mas a partir de uma
análise mais recente e profunda do fenômeno, sob a ótica das populações
submissas e humildes, percebe-se um forte cunho político-social em suas idéias
e atitudes. O bando de Lampião e Maria Bonita (1918 a 1938) se torna o
símbolo do Cangaço, que marca o nordeste da República Velha, chegando ainda aos
primeiros anos da República Nova, época em que é destruído.
A Revolta de Canudos,
ocorrida no sertão da Bahia (1893/97) e a de Contestado, entre Santa
Catarina e Paraná (1912/1915) são exemplos de lutas que, apesar de um fundo
religioso (messiânico) têm enfoque para o social, voltando-se, por
exemplo, para a distribuição de terras.
“Canudos foi, sob a capa de
misticismo religioso em torno de Antônio Conselheiro, fundamentalmente uma luta
de classes - uma luta aguerrida contra o latifúndio, contra a miséria e a
exploração terríveis que o monopólio da terra engendra e mantém secularmente no
Brasil. (...) Canudos foi assim um dos momentos culminantes da luta de
libertação dos pobres do campo. Sua resistência indomável mostra o formidável
potencial revolucionário existente no âmago das populações sertanejas e a
enorme importância do movimento camponês no Brasil, cuja população rural
constitui, ainda hoje, a principal parcela das massas laboriosas do país. A
epopéia de Canudos ficará em nossa história como um patrimônio das massas do
campo e uma glória do movimento revolucionário pela sua libertação.”
FACÓ. RUI.
CANGACEIROS E FANÁTICOS. PP. 123 E 126.
O movimento de Canudos, sob a
liderança do beato Antônio Conselheiro, mostra a insatisfação da
população do sertão da Bahia diante de uma política opressiva, como a cobrança
de impostos e exploração da mão-de-obra. Mostra também uma elite agrária que,
diante da perda de mão-de-obra, usa da força como forma de coação. Todo o
movimento começa a ser acompanhado pelas tropas municipais, regionais e
federais, com o intuito de acabar com a aglomeração de aproximadamente 15.000
pessoas (alguns defendem que este número chegava entre 25 a 30 mil pessoas). Cria-se
a idéia de que os conselheiristas queriam promover motins e acabar com a
recente República, desejando o retorno da Monarquia. Ao fim de quatro expedições
militares, Canudos foi completamente destruída e, como lembra Euclides da Cunha
em “Os Sertões”:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único
em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a
palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5/10/1897, ao entardecer,
quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas:
um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dosquais rugiam
raivosamente 5.000 soldados.”
Contestado ocorre numa região limítrofe entre
Paraná e Santa Catarina. A partir de 1911, a empresa norte-americana Brazil Rail Way
Company expulse camponeses de terras valorizadas e os submete a um trabalho
sub-humano para exploração de madeira, com a finalidade de construção de uma
ferrovia ligando o Rio Grande do Sul a São Paulo.
Sob as lideranças místicas de João
Maria e José Maria, são organizadas resistências das populações
locais. A morte de José Maria e a crença em sua ressurreição dão ao movimento
as dimensões de religiosidade características do messianismo. Em 1915, tropas
estaduais e federais liquidam os rebeldes.
No início do século, em 1904,
deve-se mencionar a Revolta da Vacina (ou Revolta contra a Vacina
Obrigatória) no Rio de Janeiro. O movimento, inicialmente um protesto
diante da política sanitarista de Oswaldo Cruz, a serviço do governo do
presidente Rodrigues Alves, se transforma numa violenta rebelião.
A vacina
contra a febre amarela é decretada obrigatória, as residências são invadidas
para garantia do cumprimento da lei. Essa intromissão, bem explorada pelas
lideranças do movimento, é associada às várias manobras políticas abusivas da
época e considerada mais uma humilhação para as classes submissas.
A revolta, não tanto contra a
vacina obrigatória mas, sobretudo, contra o Governo, conta ainda com a
adesão de militares descontentes, sendo, porém, dominada pelas tropas
governamentais.
Outro movimento a ser mencionado é a Revolta
da Chibata (ou Revolta contra a Chibata), em 1910, no Rio de
Janeiro, que expressa o descontentamento de marinheiros (classe baixa) diante
dos maus tratos a que vinham se submetendo, como o castigo de chibatadas.
Novamente, sabe-se que as chibatadas
representam apenas o estopim de um processo de descontentamento das classes
baixas diante das elites e governos repressores. A luta armada conta com a
liderança do marinheiro João Cândido (“Almirante Negro”) e a
mobilização dos encouraçados “São Paulo” e “Minas Gerais” que ameaçam
bombardear a capital federal. As promessas do governo aos revoltosos os fazem
depor as armas, mas não são cumpridas na prática. É violenta a repressão aos
revoltosos, com prisões e mortes.
Mas é a partir da 1ª Guerra, com as
transformações sócio-econômicas no plano interno e a crise do sistema
capitalista, que a estrutura política no Brasil começa a sofrer os maiores
abalos.
A oposição sistematizada e
crescente à situação vigente surge somente nos anos vinte, quando nasce o Tenentismo,
refletindo a insatisfação do Exército e da população urbana ligada à classe
média, que não são absorvidos pelo contexto político nacional.
“... Com a insatisfação generalizada
da jovem oficialidade militar em relação ao governo do presidente Artur
Bernardes, eclodiram (...) vários movimentos rebeldes, unidos em torno de um
ideal comum: basicamente, a necessidade do voto secreto, a moralização do
regime e a limitação das atribuições do poder executivo. É o movimento
tenentista...”
“100
ANOS DE REPÚBLICA”. VOL. III. 1919-1930. SÃO PAULO, NOVA CULTURAL. 1989.
PP. 33.
Tal movimento – que traduz a
indignação diante do predomínio das oligarquias cafeeiras e suas manobras
político-econômicas – nasce e se desenvolve a partir de fatores diversos, tais
como:
a) “Episódio
dos 18 do Forte”, em 1922, quando 18 tenentes se insurgem no Forte de
Copacabana, são
duramente
reprimidos, e 16 deles são mortos. É o primeiro episódio de protesto radical
contra a política da República Velha aos anos 20.
b) “Semana
da Arte Moderna”, em 1922, na cidade de São Paulo. Movimento cultural,
artístico e literário, cujas obras desenvolvem uma temática nacional
(libertação dos valores culturais europeizados), expondo os problemas e a
miséria do sertão nordestino e da região amazônica, por exemplo, numa denúncia
aos governos nacionais (dos coronéis) voltados apenas para os principais
centros. Ao atacar a política nacional, contribui indiretamente para o
crescimento do Tenentismo.
c) “Episódio
das Cartas Falsas”, atribuídas ao presidente Arthur Bernardes (1922 a 1926), onde constam
ataques a determinados grupos de políticos, inclusive a certas alas do
Exército, indispondo o presidente com tais grupos.
d) Coluna
Prestes (Coluna Fênix), de caráter militar, percorre 25 mil quilômetros em
todo o país, de 1925 a
1927, liderada por Luiz Carlos Prestes, denunciando os abusos existentes.
Durante
sua longa marcha, por diversas ocasiões defronta-se com as tropas dos coronéis
(53 no total), saindo vitoriosa em todas elas – o que justifica o apelido de
“Coluna Invicta”.
e) Crise
de 1929, causando a ruína do mundo capitalista, em especial dos Estados
Unidos, e a falência da cafeicultura nacional (os prejuízos financeiros
decorrentes da crise impedem a compra do nosso café). O abalo do poder
econômico dos coronéis do café desestabiliza seu poder político.
O movimento tenentista se alastra, sobretudo,
junto à classe média urbana e recebe em suas fileiras
civis, militares, sindicalistas, socialistas, estudantes, profissionais
liberais, etc., compondo um grupo heterogêneo, unido no combate às injustiças
políticas da República Velha, mas sem uma ideologia
definida de ação.
VII - A
REVOLUÇÃO DE 1930 – O COLAPSO DA REPÚBLICA OLIGÁRQUICA
O presidente do último quadriênio da
República Velha, Washington Luís (1926-1930), apoiado por São Paulo, indica
para sua sucessão o paulista Júlio Prestes.
Esse rompimento da Política do
Café-com-leite pelos paulistas desagrada aos mineiros, que esperavam o
lançamento da candidatura de Antônio Carlos de Andrade, então Governador de
Minas, na chapa da situação, nas eleições de 1930.
Minas Gerais, por isso, passa a
apoiar o candidato oposicionista Getúlio
Vargas, indicado pelo Rio Grande do Sul e pela Paraíba (Getúlio Vargas é
gaúcho e seu vice, João Pessoa, paraibano). Os três Estados passam a constituir
a Aliança Liberal.
Apurados os votos, o candidato
paulista termina vencedor. Como as eleições são cercadas por um clima de grande
tensão, inclusive com o assassinato de João Pessoa, a Aliança Liberal não
aceita o resultado e se lança na Revolução
de 1930, visando ao afastamento de Júlio Prestes.
Assim, a Revolução de 30 determinou
para o contexto histórico da época:
- O impedimento da posse de Júlio Prestes;
- A ascensão de Getúlio Vargas à
Presidência;
- A cisão definitiva do Eixo MG-SP;
- A vitória do Tenentismo (pela
vitória de seu candidato Vargas e pelo fim da Política do Café-com-Leite
– um de seus objetivos);
- O fim da República Oligárquica, com
o início da Era Vargas.
A vitória do Tenentismo não representa o fim do Coronelismo.
Este vigora até os presentes dias, embora numa intensidade menor; e na própria
Era Vargas, os coronéis – mesmo os de São Paulo – não são excluídos do poder
político por controlarem o café, base da nossa economia. A hegemonia das
oligarquias tradicionais será substituída pela sua convivência com outra facção
no poder: a nascente burguesia industrial - urbana, com apoio das camadas
médias e a participação das oligarquias dissidentes (de outros centros do
país).
Fonte: files.profcamilohistoria.webnode.com.br/.../Apostila%20Republica%20V.
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